Mira Caetano
Ação truculenta da polícia contra manifestações pelo passe-livre coloca em perspectiva as confluências entre o passado e o presente no Brasil.

O leitor pode estar se perguntando o porquê de um texto que se propõe a debater as recentes manifestações de rua contra o aumento das passagens no transporte público urbano começa discorrendo sobre o extinto regime civil-militar. Afinal, quase cinquenta anos depois do golpe, o Brasil parece estar bem longe daquela realidade sombria. Será?
![]() |
Em todas as cidades brasileiras houve repressão em 2013. |
Os trabalhadores já sabem que a liberdade nunca foi nem será dada de presente, mas será obra de seu próprio esforço coletivo. Por isso protestam quando, uma vez mais na história brasileira, veem os partidos sendo formados de cima para baixo, do Estado para a sociedade, dos exploradores para os explorados. Os trabalhadores querem se organizar como força política autônoma. O PT pretende ser uma real expressão política de todos os explorados pelo sistema capitalista.
Ex-Presidente LULA em manifestação na época da ditadura |
XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
Durante treze anos, o PT lançou-se a campanhas presidenciáveis sem nunca chegar ao poder efetivamente. Também não me fixarei nos processos que levaram o PT a mudar sua composição política, social e econômica, mas é preciso demarcar uma grande virada nos programas eleitorais do partido, incluindo alianças políticas inusitadas, mudanças nas estruturas decisórias internas à sua organização e abandono de bandeiras históricas dos movimentos sociais (reforma agrária, não pagamento da dívida externa, defesa do direito do aborto, entre outros).
Enfim, vinte e três anos após a sua criação, o PT, depois de muitas transformações internas, chega ao poder central do país na figura de seu carismático líder. Uma grande esperança tomou conta do país naquele ano de 2003. Um operário, líder sindical e dirigente de um grande movimento de massas iria acabar de uma vez por todas com o sofrimento do povo e garantir a estabilidade do regime democrático no Brasil. Durante dois governos, com altos índices de aprovação, Lula midiaticamente catapultou o país a um patamar novo perante o mundo. O orgulho de ser brasileiro e o ufanismo em defesa da nação voltaram, e com grande força. Sua sucessora, Dilma Roussef, continuou, por meio de viagens internacionais e peças propagandísticas, esse caminho de afirmação do Brasil como uma “nação emergente”, agora vista como um gigante que desperta. Bolsa família, obras de aceleração econômica, mega-eventos, descoberta do pré-sal são alguns dos elementos que retroalimentam essa nova “paixão” pelo país.
Apesar de políticas governamentais focalizadas que possibilitaram a saída de um significativo contingente populacional da miséria absoluta, das políticas de criação de empregos que afastaram durante algum tempo o país da crise financeira internacional e das tímidas políticas de ações afirmativas, muitos aspectos do governo atual mantém os processos de exploração do trabalho e reificam a estrutura de dominação secular que impõe aos trabalhadores regimes de trabalho precarizados e consolida de uma vez por todas o primado do sistema financeiro e das mega-corporações no país. Os acordos de concessão de serviços públicos, privatização de portos e aeroportos, leilões de petróleo, as mudanças flexibilizadoras nos direitos trabalhistas, entre outros, são exemplos desse processo.
![]() |
Manifestantes sendo reprimidos por policiais em todas cidades brasileiras. |
O PT que chegou ao poder através de uma política ampla de alianças e muito diferente daquele do Manifesto de Fundação tem mostrado no governo uma moral dúplice: por um lado, o governo é pacífico e democrático com os mega-empresários, reacionários de plantão e base aliada corrupta, exigindo cada vez mais virulência na implantação de projetos, obras e ações institucionais para manter as taxas de lucro; por outro lado, é omisso, truculento e desproporcionalmente agressivo com índios, manifestantes e sem terras, cobrando uma passividade e paciência extrema dos movimentos sociais. Quando a chefe maior da nação permite a repressão aos manifestantes, ela apoia e participa indiretamente dela.
![]() |
Manifestação em Belo Horizonte - Minas Gerais. |
Desde o início do ano de 2013, a juventude em diversas capitais do país vem se manifestando contra aumentos abusivos das tarifas do transporte rodoviário urbano. Muitos alegam estarem esses aumentos tarifários bem acima da inflação e acusam os empresários de ônibus de construir cartéis, obtendo lucros exorbitantes à custa dos trabalhadores, da juventude e da má qualidade dos serviços. Tudo começou em Porto Alegre, quando centenas de jovens saíram às ruas pacificamente protestando contra esses aumentos e foram violentamente reprimidos. Depois deles seguiu-se Natal, Goiânia, Teresina, São Paulo e Rio de Janeiro. A cada manifestação, mais jovens são presos e em São Paulo, local em que as manifestações ganham maior adesão, quase duzentas pessoas já foram detidas em três dias de protestos. Em todas essas manifestações, o clima de festa e paz entre os participantes é quebrado com a ação truculenta das polícias militares, que repreendem com bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e prisões arbitrárias de manifestantes. Um grupo preso nas manifestações paulistas do dia 11/06 está sendo indiciado por formação de quadrilha, o que alguns já chamam de “a volta do AI-5”. Embora, como já antecipei, os momentos históricos sejam díspares, é impossível não estabelecer um paralelo entre eles.
O processo vem se acirrando a cada nova manifestação. No dia 13 de junho o movimento passe livre (MPL) convocou um ato nacional contra o aumento das tarifas. Animados com a suspensão do reajuste em Goiânia e Porto Alegre, jovens de muitas regiões do país saíram em passeata nas suas cidades: São Paulo, Santarém, Rio de Janeiro, Santos, Natal, Maceió, São Carlos, Sorocaba, Curitiba. Em São Paulo, de acordo com os organizadores do ato, cerca de 20 mil pessoas participaram. Já na chegada cerca de 60 pessoas foram presas “para averiguação”, algumas delas por portarem o perigoso tempero vinagre (!). Alguns manifestantes denunciaram que as prisões estavam sendo executadas de forma aleatória e que muitos nem participantes do movimento eram. O ato se iniciou de forma tranquila e permaneceu pacífica até a atuação da PM, que agiu com enorme desproporção atirando em jornalistas, jovens e transeuntes. A Polícia de São Paulo, a mando do governador do PSDB Geraldo Alckmin, tem assumido a vanguarda nos abusos e na truculência. Ao mesmo tempo, seu adversário eleitoral, o prefeito petista Fernando Haddad, afirma peremptoriamente que não voltará atrás no aumento das passagens, mostrando didaticamente que governa para os mesmos setores sociais representados pelo fascistizante tucano. Por sua vez, o Ministro da Justiça, o petista José Eduardo Cardozo, brada que colocará a Polícia Federal – a mesma que, há poucos dias, assassinou um índio terena em uma reintegração de posse ordenada pela Justiça pró-agronegócio – à disposição para atuar nas manifestações. Enquanto isso, o governo federal se mantém, como de hábito, calado. Representantes do PT e do PSDB, na Câmara Municipal paulista, acusam manifestantes de baderneiros, vândalos e criminalizam aqueles que fazem da luta social legítima um exercício pleno de uma das garantias fundamentais da Constituição Federal, o direito à manifestação e reunião. Mais uma vez se coloca a reflexão sobre o Manifesto de Fundação do Partido dos Trabalhadores:
![]() |
Uberlândia-MG colocou 35.000 nas ruas para protestar |
Manifestação em São Paulo - Capital. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui sua opinião sobre nossa publicação.