“Admirável mundo novo”
É comum percebermos no meio evangélico a influência deste novo paganismo, que leva muitas igrejas e denominações a adotar ordens de culto e liturgias em que o sentimento de reverência cede lugar à descontração, e o bem-estar do fiel se torna mais importante que a sua humilhação e dedicação a Deus. O Senhor Deus é transformado numa espécie de força, disponível sempre que necessário, mas que não incomoda, pois não exige nenhum tipo de mudança de comportamento ou santidade.
Nesse contexto, em que a pregação da Palavra de Deus muitas vezes é desprezada, a música produz um elevado clima emocional, onde é proposta uma teologia que se apoia vagamente no Evangelho, mas que, na verdade, é baseada numa experiência emocional dos crentes, sem um apelo à razão.
A crítica à razão e à instituição, além de promover divisões nas igrejas e uma desconfiança quanto aos ministros cristãos, as tem deixado sem defesa para as novas tendências teológicas. Por isso, os cristãos de hoje não veem dificuldades ou problemas em assumir conceitos e palavras que fazem parte de outros grupos religiosos, inclusive dos que são o oposto ao cristianismo.
Podemos ver essa descaracterização do evangelho naqueles que acreditam em simpatias, em benzedeiras, em copos de água em cima do rádio ou da televisão, imitando o catolicismo popular, resgatando até mesmo superstições da Idade Média, como a comercialização de óleo ungido, da água do rio Jordão, etc. Algumas pessoas viajam quilômetros apenas para orar com alguém que tem supostos dons especiais, ou uma oração mais poderosa. Infelizmente, em algumas igrejas, podemos perceber semelhanças com os cultos de matriz africana, cujo discurso se prende à obsessão por demônios, pela qual passa a igreja evangélica no Brasil. A vida cristã passa a ser movida por eventos supérfluos como os shows gospel e a “Marcha para Jesus”. E, como se não bastasse, a teologia da prosperidade, com seu vocabulário sem significado, tem substituído a simplicidade bíblica, centrada em Cristo Jesus.
O mais trágico é que há igrejas ensinando que, para uma pessoa ser salva, ela precisa cumprir uma elaborada lista de itens, da qual constam: receber o Senhor Jesus como único salvador, participar das “reuniões de libertação” para se ver livre do Diabo, buscar o batismo com o Espírito Santo, andar em santidade, ler a Bíblia todos os dias, evitar más companhias, ser batizado, frequentar as reuniões de membros da igreja, ser fiel nos dízimos e nas ofertas, orar sem cessar e vigiar.
E, mais trágico ainda, mesmo cumprindo toda esta lista, no entender dessas lideranças eclesiásticas, um cristão pode vir a perder a salvação. Entretanto, as Escrituras claramente nos ensinam que homens e mulheres pecadores são declarados justos apenas pela fé, apenas em Cristo; parece que os dirigentes desses movimentos religiosos nunca leram as epístolas de Paulo aos Romanos e aos Gálatas, assim como a epístola aos Hebreus.
Como resultado, o que podemos constatar é que os cristãos muitas vezes são pobres em cultivar amizades profundas e verdadeiras, fazendo com que a comunhão entre os irmãos seja fraca ou inexistente. É por isso que poderíamos sugerir que a igreja tem sido influenciada pelo contexto cultural em que vivemos, preso às emoções e individualidades.
Por outro lado, no começo do século xix, como fruto do Iluminismo, surgiu na Europa um novo movimento teológico, chamado de liberalismo teológico, que tem tido forte impacto sobre os seminários teológicos no Brasil, onde são formados os futuros pastores. O liberalismo teológico se tornou uma espécie de dossel sobre o qual se abrigam teólogos de várias tendências, muitas vezes amorfas, mas que compartilham dos mesmos pressupostos básicos, racionalistas, anti-sobrenaturalistas – por não crerem numa revelação sobrenatural ou em qualquer tipo de milagre e, no fim, ateístas.
Esses teólogos compartilham o desprezo pelos enunciados cristãos mais básicos, as doutrinas da Criação, da inspiração das Escrituras, do nascimento virginal de Cristo, de sua morte salvadora e ressurreição e do seu retorno final, triunfante. Essas doutrinas passaram a ser severamente criticadas ou claramente negadas por eles, numa tentativa de reinterpretar o cristianismo histórico.
Tal movimento chegou ao Brasil, trazido por missionários estrangeiros, em meados de 1960, e as principais denominações históricas brasileiras – presbiterianos, batistas, metodistas e luteranos – acabaram sofrendo forte influência nessa mudança teológica, ocorrida especialmente nos seminários teológicos, mas com reflexos nas igrejas locais.
Mas, como J. Gresham Machen escreveu no começo do século xx, “liberalismo não écristianismo”. Os liberais, imitando a velha heresia gnóstica, tentaram reinterpretar o cristianismo, justamente para não assumirem em público a diferença entre essas duas cosmovisões antagônicas.
Por consequência, teólogos oriundos desse movimento acabam usando linguagem ambígua, para permanecerem ligados às igrejas e seminários das principais denominações no país.
Augustus Nicodemus Lopes acertadamente afirma:
O liberalismo teológico nasceu, alimentou-se e viveu como um parasita, usando o corpo, as energias, os recursos e a vida das organizações eclesiásticas fundadas e financiadas por conservadores. Os primeiros liberais eram ministros de denominações conservadoras – embora já minadas pelas ideias do Unitarismo e do Iluminismo –, de onde tiraram seu sustento e onde ganharam respeitabilidade. Mesmo que tenham mudado suas crenças, não largaram o corpo de onde se alimentavam. Pois não teriam para onde ir.
E, por isso mesmo, precisamos ser constantemente lembrados: liberalismo não é cristianismo!
Essas várias tendências são extremamente perigosas, porque o cristianismo, que sempre sofreu ameaças de ser seduzido pela cultura de seu tempo – e por vezes sucumbiu a ela –, mais uma vez está diante do mesmo desafio. A partir desse quadro, podemos perceber com clareza que o resultado de tal capitulação será uma espiritualidade superficial e sem significado, num contexto onde a igreja evangélica está correndo risco de deixar de ser igreja evangélica, comunidade estabelecida sobre a mensagem do evangelho da graça livre de Deus.
Precisamos lembrar que as antigas confissões de fé, seguindo os ensinamentos das Escrituras, afirmavam que a pureza de uma igreja se mede pela fidelidade com a qual o Evangelho é pregado – o que inclui as doutrinas centrais do cristianismo – e as ordenanças celebradas – o que aponta para a teologia prática das igrejas –, e não pela quantidade de membros agregados.
Músicas gospel; shows gospel.
Músicas gospel; shows gospel.
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