CONSEQUÊNCIAS DO USO DE DROGAS - ÚLTIMA PARTE.

Viciado em crack e sem o apoio da família, Marcos se mudou para a favela do Coruja, na Vila Guilherme, Zona Norte de São Paulo. "Foi horrível, você vê outros viciados pedintes e eles ficam realmente possuídos, não querem sair dessa, não têm sonhos... A droga te leva para um cativeiro onde você não vê saída, te desumaniza", reflete ele. Marcos chegou a tentar sair dessa e se internou em uma clínica de reabilitação. "Fui muito humilhado lá, eles têm muito preconceito. Fugi e fiquei 40 dias limpo. Achando que conseguiria usar menos, voltei aos poucos. Mas aí foi o fundo do poço", relembra.

Quem ajudou Marcos a sair dessa foi uma vira-lata que ele conheceu na favela, a Accesa. "Ela que me adotou na favela, conversava comigo, sabe? Conquistei a cachorra, que não podia ouvir minha voz e vinha fazer festa! Ela cuidava das minhas coisas, ninguém podia chegar perto. E ela me fazia rir, era com quem eu falava. Com a Accesa fiquei centrado. A droga te tira o amor próprio e sua capacidade de dar amor para os outros. Com ela por perto eu recebia e dava carinho. Ela foi um presente de Deus, me protegeu, não deixava ninguém chegar perto de mim. É minha companheira. Accesa foi tudo para mim, me salvou", emociona-se ele.

Marcos se emociona ao lembrar da vida na favela. "Fumava 30 pedras por dia, cheguei a ficar cinco dias acordado direto. Estava macérrimo e pedia a Deus para tirar minha vida. Não tinha coragem de me matar", relembra ele. Marcos acredita que um milagre tenha acontecido em sua vida. "Estava com a cachorra na rua, garoando, aquele frio. Aí pedi a Deus para fazer um milagre em mim, que eu ia parar com as drogas. Aí veio na minha cabeça: 'Liga para tua irmã'. Era Deus falando comigo", conta ele. "Liguei três vezes e na quarta ela me atendeu e comecei a chorei. Deus começou a trabalhar na minha vida ali. Tinha gente querendo me matar, outros viciados me juraram de morte porque eu falava demais, estava com muito medo. No dia seguinte minha irmã veio me buscar", relembra ele, que mora com a irmã Mayza em Itupeva, no interior de São Paulo, desde então.

Apesar de estar "limpo" há dois anos, Marcos não sente dores há apenas quatro meses. "Sentia muitas dores nas juntas. Nos seis primeiros meses eu chorava de dor só para levantar da cadeira. Tomava muito relaxante muscular", diz ele. "Por isso é muito fácil voltar para a droga, porque no momento em que você dá o primeiro trago, essa dor desaparece", explica ele. Exercícios físicos e tarefas domésticas ajudaram a recuperação de Marcos. "Na casa da minha irmã já não sentia vontade de usar porque me ocupava, é o que chamam de laboraterapia. Caminhava, orava, andava de bicicleta, limpava a casa, lia Tinha de estar ocupado."

Recuperado e convertido à igreja evangélica, Marcos prometeu divulgar sua história para tentar salvar outros viciados. "Prometi a Deus que ia contar minha história para que pudesse ser um testemunho vivo da palavra dele. Meu objetivo é levar isso adiante. Tenho de salvar muitas almas. A gente só salva um viciado se passou por aquilo também", opina ele."Só quem passa por essas experiências para sentir essa energia, esse direcionamento, esse sentimento de que Deus está contigo. É uma ligação muito forte com Deus", diz ele, que também sonha em se tornar cantor gospel.

Fumava trinta pedras por dia, cheguei a ficar cinco dias acordado direto."

Marcos recuperou inclusive o sonho de ter filhos. "Não tive mais ninguém desde que fui para a casa da minha irmã. Estou me limpando espiritualmente e me preparando para esse novo amor. Quero ter filhos ainda! Tenho 53 anos, sou novo. Sempre foi um sonho meu ter filhos, quero adotar também", declarou.

Marcos adotou o sobrenome Fiel depois de se converter e se batizar na igreja evangélica. "Passei a me chamar Marcos Fiel e parei de usar Pajé. Para renascer, muda-se o nome. Os apóstolos mudaram o nome também", explica ele. Na época do Bozo, Marcos não era o único ator a interpretar o palhaço Bozo. Quatro atores se dividiam no papel: Décio Roberto, Luis Ricardo e Arlindo Barreto. "Vandeco Pipoca foi o primeiro. Quando acabou o contrato, ele queria ganhar três vezes mais, aí o Silvio contratou três atores com o salário dele", relembra ele, que passava os dia nos estúdios do SBT. "No começo eram quatro horas por dia de programa, uma hora cada ator fazendo. Depois passamos a fazer quatro horas de manhã e uma hora à tarde. A gente brincava que a sigla SBT era Sistema Bozo de Televisão", diverte-se.

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Marcos não nega que existia rivalidade entre os palhaços. "Eu sempre me coloquei como um ator interpretando os personagens, mas os outros tinham bastante competitividade entre si, disputavam quem era o Bozo oficial, quem era o mais querido. Tinha muito bate-boca, mas nunca ninguém saiu de olho roxo", ri ele. "Dependendo do grau da briga ficava na geladeira uma semana, o que era ruim, porque aí não ganhava o merchandising. O salário era bom, R$ 20 mil por mês", entrega ele.

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